A audiência de instrução e julgamento criminal é um dos principais momentos no processo penal. Nela se concentra a produção de provas e de lá virão os argumentos que irão fundamentar quase todos os pedidos jurídicos seguintes.
E como tudo no direito, há um procedimento a ser observado nessa audiência. São as regras do jogo, não só como ele funciona, mas também como cada uma das partes pode e deve agir nesse momento.
Devido a sua importância e complexidade, costuma ser um momento que traz certo temor aos advogados, sobretudo iniciantes.
Por isso, entender como funciona o procedimento da audiência criminal é uma das melhores formas de se preparar para ela. Pois, é preciso saber com o que você pode se deparar, para não ser pego de surpresa. Além disso, permite que você combata com ótimos fundamentos uma eventual ilegalidade.
Nesse artigo eu ensino as regras do jogo, ou seja, como funciona uma audiência criminal, para que você esteja preparado para esse momento tão importante e de tamanha responsabilidade.
Caso você deseje aprofundar no assunto, no meu canal do YouTube você encontra uma playlist com vídeos sobre a audiência criminal na prática.
Quando ocorre a audiência criminal no processo penal?
Primeiro, eu preciso que você tenha clareza sobre onde está situada a audiência na linha do tempo do processo criminal.
No procedimento ordinário, que é o comum, de uma forma bem resumida, essa linha do tempo é, via de regra, da seguinte forma:
- Acontecem os fatos considerados como crime;
- Inicia-se o inquérito policial, seja após uma prisão em flagrante ou por uma portaria, após a notitia criminis;
- Após a conclusão do inquérito, as investigações são enviadas ao Ministério Público, que poderá ou não oferecer denúncia;
- Caso o Ministério Público ofereça a denúncia, o juiz decide se a recebe ou rejeita;
- Se recebida, o acusado é citado para apresentar resposta à acusação;
- Não sendo caso de absolvição sumária ou de rejeição tardia da denúncia, o acusado é intimado para a audiência criminal, que será marcada.
Lembrando que, podem haver mudanças nessa ordem em procedimentos especiais, sendo tratado aqui o comum por motivos didáticos.
Então, você advogado faz a resposta à acusação, podendo expor nela as suas teses defensivas ou não, servindo ela como uma preparação para a audiência de instrução.
Inclusive, no meu canal do YouTube eu tenho um vídeo falando sobre quando alegar ou não teses defensivas na resposta à acusação.
Agora que você sabe o momento em que a audiência acontece, na linha do tempo processual, vamos para sua finalidade.
Qual a finalidade da audiência criminal?
Como dito, a audiência no processo penal é o principal momento para a produção e apuração das provas, tudo é feito nela. Por exemplo, declarações da vítima, oitiva de testemunhas, interrogatório do acusado e acareações.
A acusação e defesa irão fundamentar suas teses jurídicas com base nas provas produzidas em audiência. Assim como o juiz deve fundamentar a sentença com base nessas provas.
Sendo assim, não basta ter uma tese defensiva, você deve prová-la e a audiência criminal é um dos principais momentos para isso.
Um exemplo é uma tese jurídica de atipicidade por falta de dolo. Ao fundamentar nas suas alegações finais você dirá, por exemplo: “conforme prova testemunhal colhida em audiência, assim como as declarações da própria vítima, o Acusado não teve a intenção de causar qualquer dano…”
Portanto, é da audiência que sairá os fundamentos dos seus memoriais. Podendo também usá-los em recursos ou ações autônomas.
A regra é ter apenas uma audiência criminal. No entanto, é comum haver mais de uma em alguns casos. Por exemplo, em casos complexos, com muitas testemunhas ou réus. Sobretudo, quando alguém é intimado, mas falta.
Inclusive, atente-se ao fato de ser possível ter mais de uma audiência na hora de precificar seus honorários. Sendo assim, lembre-se disso quando for calcular os custos e horas de trabalho que serão gastos.
O que acontece na audiência criminal?
Nesse artigo, eu trato sobre o procedimento comum, que se divide em ordinário, sumário e sumaríssimo. Inclusive, será focado o ordinário, que é o que mais ocorre na prática.
Esse procedimento é previsto no artigo 394 e seus parágrafos, do Código de Processo Penal.
Os artigos 400 a 405, do Código de Processo Penal, falam das formalidades e como será o desenrolar da audiência.
Inicia-se a audiência com o pregão das partes (acusado e vítima são chamados).
Em seguida, verificam se as testemunhas estão presentes. No entanto, estas só entrarão na sala de audiência em momento posterior.
Chegando até a sala de audiência, haverá uma mesa mais alta, em regra, em uma parte superior, como um degrau. Nessa mesa estará o juiz ao meio, o promotor à direita dele e o escrivão à esquerda.
Em frente a mesa do juiz haverá outra mesa, formando um “T”. Nela serão ouvidas a vítima, testemunhas, acusado, eventuais peritos e outros.
Onde o advogado senta na audiência criminal?
Você, como advogado de defesa, em regra, se sentará à esquerda do juiz, mas isso não te impede de sentar à direita.
Isso pode mudar de comarca para comarca, cada lugar é de um jeito. Por isso, o ideal é perguntar, quando for sua primeira vez naquele juízo.
Essa troca não causa nulidade do ato, sendo mero capricho. No entanto, pode ser que algum juiz ou promotor tradicionalista chame sua atenção.
O importante é que o seu cliente fique ao seu lado e do outro lado as outras partes.
As audiências criminais são gravadas?
Hoje em dia o judiciário grava a maioria das audiências criminais. Sendo assim, pode haver uma câmera voltada para quem irá falar, ou uma cadeira e mesa separadas, com câmera e microfone para gravação.
Como é no caso de audiência criminal online?
Na audiência criminal online o advogado receberá um link para acessar a sala virtual. As testemunhas só entrarão nessa sala no momento em que irão depor. Já o acusado permanece a todo tempo, igual ao que ocorre na audiência criminal presencial.
O início da audiência criminal
O juiz, ao iniciar a audiência criminal, na presença do acusado e da vítima, falará o número do processo e nome das partes, situando os presentes sobre o processo em pauta. O juiz pode ler ou não a denúncia, bem como mencionar ou não a infração penal que está sendo tratada. Depende de cada juiz.
1º ato: Declarações da vítima
Iniciada a audiência a vítima é a primeira a falar. Lembrando que nem sempre haverá uma vítima no processo penal, pois, a vítima pode ser a sociedade, como nos crimes de tráfico de drogas.
Primeiro o juiz tomará as declarações da vítima. Nesse momento ele pede para ela contar a versão dela dos fatos.
Há casos em que há uma vítima, mas ela não prestará declarações. Pois, o juiz pode dispensá-la, caso ela se recuse a falar por motivos pessoais ou caso não a encontrem.
Um exemplo é o de crimes sexuais envolvendo crianças muito novas. Sobretudo, se comprovado que reviver aquele momento trará graves danos para essa vítima.
Após as declarações, o Promotor de Justiça faz as perguntas dele. Em seguida a defesa e por fim, se achar necessário, o próprio juiz fará perguntas complementares.
Dicas práticas
Caso de contradições nas declarações
Observe se não há contradições com a declaração dada pela vítima em fase policial e o que está sendo dito na audiência. Nesses casos, explore ao máximo essa situação e use em sua tese defensiva.
Quando a vítima alega fatos novos
Verifique se a vítima disse algo que não foi dito no Inquérito Policial. Isso serve tanto para a vítima quanto para as testemunhas. Caso isso aconteça você deve questioná-la o porquê de não mencionar antes esse fato.
Inclusive, qualquer fato novo dito por uma das partes deve ser discutido entre você e o seu cliente. Nesses casos, solicite de imediato um momento para entrevista prévia com o seu cliente. Até mesmo para poder formular novas perguntas à vítima.
A vítima, após ser ouvida, assina a ata de comparecimento e é dispensada.
2º Ato: Depoimento das testemunhas
As testemunhas serão chamadas, uma de cada vez, para serem inquiridas e prestarem depoimento. Inclusive, não é permitido que uma veja o depoimento da outra.
Quem presta depoimento primeiro são as testemunhas de acusação e depois as de defesa, seguindo o mesmo esquema. Estas relatam suas versões dos fatos e recebem perguntas da acusação, defesa e do juiz.
As testemunhas de acusação recebem perguntas, primeiro do promotor e depois do advogado. As de defesa recebem perguntas primeiro do advogado e depois do promotor.
Dicas práticas
Não se pode fazer perguntas que induzam a resposta
Lembrando que, as partes (você, promotor e juiz) não podem fazer perguntas que possam induzir a resposta. Por exemplo, “então, você só fez isso porque ele fez tal coisa, não é?”.
Inclusive, isso também serve para a vítima e para o réu. As perguntas devem ser objetivas, como “por que você fez isso?”, “ele fez tal coisa?”, “essa coisa fez você fazer isso?”. E por aí vai.
Não se pode fazer a leitura de depoimento
Nenhuma testemunha pode prestar seu depoimento de forma escrita, sendo permitido apenas breves apontamentos. Inclusive, eu falo sobre esse assunto em um dos capítulos desse artigo.
Contudo, nos crimes que não possuem vítima, como os de tráfico de drogas, o mais comum é que as testemunhas sejam só os policiais que efetuaram a prisão.
Nesses casos, é comum na prática eles não se lembrarem mais dos fatos. Sendo assim, o promotor ou o juiz costumam ler o que foi dito pelos policiais no inquérito policial e pedem apenas para eles confirmarem.
Porém, o nosso ordenamento jurídico proíbe essa conduta. O STJ, no HC nº 183696 decidiu que é nula a leitura do que foi dito em fase policial, para posterior ratificação da testemunha.
Do mesmo modo, o artigo 204, do Código de Processo Penal veda o depoimento escrito, devendo o advogado intervir. As testemunhas podem fazer apenas breves apontamentos, mas não uma narrativa completa do que será dito por ela.
Tudo isso vale para qualquer tipo de testemunha, não só policiais.
Inclusive, quanto ao promotor ou juiz fazerem essa leitura, pense no seguinte: Se o Código de Processo Penal veda que a própria testemunha faça seu depoimento por escrito, o que dirá quanto aos membros do judiciário fazerem isso por ela.
Exemplo prático
Um caso muito peculiar que eu vivenciei foi em uma audiência online, referente a um crime de trânsito. Nela, o policial sabia cada detalhe da ocorrência, mesmo tendo se passado alguns anos da data dos fatos.
Ele sabia até as placas dos dois veículos, todas as características, como tudo aconteceu. No entanto, o que mais me chamou a atenção foi quando ele disse a quantidade exata de álcool que o bafômetro havia detectado.
Eu fiquei tão impressionado com a memória daquele policial que a primeira pergunta que eu fiz foi se ele estava lendo aquilo em algum lugar. Além de responder que sim, o policial tirou de debaixo da mesa uma cópia do que havia dito na fase policial.
Eu, de imediato, pedi a desconsideração do depoimento dele e aleguei esse fato novamente em memoriais. Mesmo assim, o juiz considerou o depoimento como válido.
Então, se essas situações acontecerem você deve intervir. No entanto, se mesmo assim, o juiz considerar esse depoimento, ou parte dele, você deve constar em ata, para pleitear a nulidade futuramente.
3º Ato: Outras diligências
A oitiva de peritos, acareações e reconhecimentos de pessoas e coisas, ocorrem após o depoimento das testemunhas.
4º Ato: Interrogatório do acusado
Por fim, será feito o interrogatório do Acusado, devendo sempre ser o último ato. Isso porque somente após todas as outras declarações é que a defesa saberá de tudo o que deve combater em suas fundamentações. Portanto, é essencial respeitar essa ordem.
Detalhe que, se for mais de um réu, os interrogatórios serão separados, como prevê o artigo 191, do Código de Processo Penal.
O Acusado dará sua versão dos fatos e em seguida receberá perguntas do promotor, do advogado e do juiz, caso seja necessário. Este último fazendo apenas perguntas complementares.
Direito ao silêncio
Pode o Acusado se recusar a responder qualquer pergunta, de qualquer das partes. Inclusive, se ele quiser, poderá responder apenas perguntas do seu advogado ou defensor. É esse o entendimento da 6ª turma do Supremo Tribunal da Justiça, no HC 703.978.
Tal entendimento tem base no artigo 186, do Código de Processo Penal, que é claro ao dizer que o réu pode ou não responder às perguntas. Da mesma forma pode escolher quais perguntas responder, assim exercendo seu direito à ampla defesa.
Inclusive, o juiz deve avisar ao réu sobre esse direito e que isso não trará nenhum prejuízo.
Aquele ditado “quem cala consente”, não se aplica ao processo penal, pois, o silêncio não configura confissão. Também não pode ser interpretado em desfavor do réu, como prevê o parágrafo único do artigo 186 do Código de Processo Penal.
Na prática
No entanto, na prática, o juiz sempre olhará com maus olhos para o silêncio, muitas vezes até se irritando. Inclusive, você como advogado pode advertir que o silêncio é um direito e que o juiz se irritar com isso demonstra parcialidade, conduta proibida ao processo.
Um caso em que o silêncio é benéfico é quando não foi possível a oitiva de testemunhas e eventual vítima, além de não ter sido produzidas outras provas na audiência.
Nesses casos, o próprio réu pode se incriminar, caso diga alguma coisa. Contudo, ficando em silêncio não correrá esse risco, devendo ser absolvido por falta de provas.
Lembrando que de nada vale o que foi feito e dito em inquérito policial de forma isolada. Como dito, a audiência é o momento de produção de provas. Portanto, não se pode usar apenas o que foi feito no inquérito para o juiz tomar qualquer decisão.
O juiz que não respeita o direito ao silêncio do réu incorre no crime de abuso de autoridade, como prevê o artigo 15, PÚ, inciso I, da Lei 13.869/2019.
Direito a entrevista prévia
O réu tem direito à entrevista prévia com seu advogado ou defensor, como prevê o artigo 185, §5º, do CPP. E isso não vale só para antes da audiência, mas também para antes do interrogatório.
Caso alguém mencione na audiência fatos ou detalhes novos, você deve conversar sobre eles com o seu cliente. O momento para isso é antes do interrogatório. Contudo, você pode solicitar que a audiência seja interrompida para vocês terem essa conversa.
Inclusive, caso o juiz não permita essa entrevista estará incorrendo em crime de abuso de autoridade, como prevê o parágrafo único do art. 20 da Lei 13.869/2019.
Detalhe que, se impedirem a entrevista prévia apenas antes da audiência haverá consequências para o juiz e para o processo. Terão reflexos penais (abuso de autoridade) e processuais penais (nulidade).
No entanto, caso impeçam apenas antes do interrogatório, haverá apenas reflexos processuais (nulidade). Isso porque a lei é clara ao tipificar o abuso de autoridade apenas em caso de não se permitir a entrevista antes da audiência.
5º Ato: Requerimento de diligência
Após o interrogatório do réu, o juiz perguntará se as partes desejam requerer alguma diligência, conforme prevê o artigo 402, do Código de Processo Penal.
Você pode requerer as diligências quando tudo o que foi feito e todas as provas produzidas em audiência não foram o suficiente. Nesses casos, resta alguma dúvida ou necessidade de complementação. Por exemplo, juntada de novas provas ou a produção de outras provas complementares.
Vá para a audiência sabendo se irá pedir alguma diligência e qual será a fundamentação usada. No entanto, não entregue a sua tese jurídica, apenas argumente para evitar eventual resistência do juiz em realizá-la.
Havendo necessidade de juntar novas provas, como documentos ou fotos, por exemplo, saiba que qualquer prova nova juntada necessita de passar pelo contraditório.
Sendo assim, caso você tenha a intenção de juntar uma prova nova, solicite ao juiz para que seja aberto prazo para a parte contrária ter acesso.
6º Ato: Pedido de revogação da prisão preventiva e Alegações finais orais
Em caso de réu preso, você poderá demonstrar seu interesse em formular o pedido de revogação da prisão. Inclusive, dependendo do caso pode ser mais interessante fazer antes ou após as alegações finais orais.
Feito tudo isso o juiz poderá dar a palavra à acusação e depois à defesa, para apresentarem suas alegações finais orais, ou poderá abrir prazo para memoriais escritos, como prevê o artigo 403, do Código de Processo Penal e seus parágrafos.
Quando sai a sentença?
Feitas as alegações finais pelas partes, da forma oral, ou apresentados os memoriais escritos, é hora do juiz decidir aquele processo, dando sua sentença.
Se as alegações foram orais, o juiz poderá, logo após a fala das partes, dar o seu veredito, sentenciando o acusado.
Mesmo a sentença sendo feita de forma oral o juiz irá passar por todas as etapas que uma sentença exige, ou seja, o relatório dos fatos, com as fundamentações jurídicas que o levaram a julgar de tal forma.
Não só isso, como também será feita a dosimetria da pena, fixação de regime inicial e análise de outros fatores, como substituição de pena ou possibilidade ou não de recorrer em liberdade.
Pode ser o caso de, mesmo as partes tendo feito alegações orais o juiz não sentenciar no mesmo dia, pois ele tem o prazo legal de 10 dias para proferir sua sentença, conforme artigo 403, §3º e 404, PÚ, do Código de Processo Penal.
Ademais, a sentença será inserida por escrito, no processo e no andamento processual no site do Tribunal de Justiça.
Encerramento da audiência criminal
Não havendo mais o que ser feito, finalizada a audiência, será lavrado termo em livro próprio. Nele, é constatado o que aconteceu de mais relevante na audiência, por exemplo eventuais diligências ou até mesmo situações constatadas em ata pelas partes, como prevê o artigo 405, do CPP.
É um papel com esse resumo, que será assinado pelo juiz, partes e eventuais presentes diretamente envolvidos no ato, como o réu.
Essa formalização é necessária para comprovar que o ato seguiu as formalidades e exigências legais. Caso não respeitem alguma dessas exigências o processo pode ser sujeito a eventual nulidade.
Agora que você aprendeu como funciona uma audiência criminal, compartilhe esse artigo com um colega advogado, que também tem interesse nesse tema.