Imagine a seguinte situação: alguém é preso e levado até a audiência de custódia. Lá o juiz reconhece a ilegalidade daquela prisão, decidindo que ela deve ser relaxada por isso.
No mesmo instante ele avalia que há indícios de que aquela pessoa cometeu o referido crime, mesmo sem certeza. Além disso, o juiz entende que essa pessoa traz risco se ficar solta, devendo responder ao processo presa, ou seja, decreta a prisão preventiva.
Nesse caso, o juiz após relaxar a prisão, decreta em seguida a preventiva. Você sabe se a lei permite essa conduta?
Nesse artigo eu falo sobre essa situação, que é muito comum na prática, sendo essencial que o advogado saiba se posicionar caso ela ocorra.
Quais são os entendimentos sobre o assunto?
Na prática, é comum decisões que permitem a decretação de prisão preventiva, mesmo havendo ilegalidade da prisão.
Apenas para ilustrar, um exemplo é o HC nº: 10000180434573000, do TJ-MG, que decidiu:
“Com a conversão da prisão em flagrante em preventiva, não há que se falar em ilegalidade da prisão em flagrante.”
Essa é só uma de várias jurisprudências nesse sentido. Inclusive, o próprio STJ, no RHC 60.549/SC, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura. 6ª Turma, decidiu que:
“Não há mais que se falar em irregularidade da prisão em flagrante. Pois, tal circunstância fica superada após a decretação da prisão preventiva.”
Então, o cenário na prática é o seguinte. Após o reconhecimento da ilegalidade da prisão o juiz faz seu relaxamento, o que deveria levar a pessoa presa a ser imediatamente posta em liberdade.
Contudo, a tendência é de o Ministério Público se manifestar pela prisão preventiva e o juiz concordar com esse pedido, ignorando o relaxamento anterior.
Inclusive, a prisão considerada ilegal anteriormente é considerada válida, ficando superada a ilegalidade presente.
Minha visão sobre o assunto
Quanto a possibilidade do juiz decretar a prisão preventiva para sanar prisão ilegal, entendo não ser possível.
Vamos usar um raciocínio lógico. Primeiro, se a prisão foi ilegal ela não deveria nem existir. Logo, todo evento que se desdobra dessa prisão também não deveria existir.
Portanto, todo percurso até a audiência de custódia deveria não existir.
Imagine que você pega um objeto qualquer e o joga contra a parede, despedaçando-o. Sua esposa vê isso e o obriga a levar o objeto para o conserto.
Você tem que pegar o objeto, ir até uma loja de reparos, pagar alguém para consertá-lo e esperar que o serviço seja feito.
Perceba que, se o objeto não tivesse sido quebrado, você não estaria nessa loja. Da mesma forma, se a prisão ilegal não ocorresse a pessoa não estaria passando por uma audiência de custódia.
É possível que um ato processual, contendo algum vício, tenha esse vício sanado por algo posterior.
É o caso daquele acusado que não foi citado, mas constitui advogado e apresenta defesa, sanando o vício da falta de citação.
Contudo, tudo que ocorre após a prisão em flagrante até a audiência de custódia é ato derivado da prisão em flagrante. Sem isso, nenhum dos atos posteriores teriam sido feitos, ou seja, eles têm ligação direta e inseparável.
Logo, não poderia ser sanado o vício de algo que não deveria acontecer. No caso da falta de citação, a apresentação de defesa em algum momento aconteceria, mas no caso da audiência de custódia, ela não aconteceria se a prisão ilegal não fosse realizada.
Entendimento nesse sentido
Por sorte o meu pensamento não é um mero devaneio. Pois, mesmo que de forma minoritária, também há tribunais que entendem dessa forma.
Um exemplo é a 6ª Câmara Criminal do TJ-RJ, no HC nº 0065834-18.2018.8.19.0000, de relatoria do Desembargador Fernando Antônio de Almeida:
“Ao relaxar a prisão em flagrante, torna-se incabível discussão sobre a prisão preventiva ou outra medida cautelar pelo juiz da custódia.”
Nesses casos, quem seria competente para decretar a prisão preventiva?
Não quer dizer que não seja mais possível a prisão preventiva e a aplicação de medidas cautelares. Contudo, essa análise e decretação deve ser feita pelo juiz natural, ou seja, por aquele que irá presidir a persecução penal.
Sendo assim, o juiz da custódia, por ter competência limitada, na matéria a ser discutida e em atos decisórios, não pode decretar a prisão após acolher a ilegalidade do flagrante.
Vale lembrar que o juiz da custódia não é o mesmo que irá presidir a persecução penal. Este será o juiz natural.
Quais são as vantagens desse entendimento?
A questão é que, se a pessoa for presa depois, por decisão do juiz natural, ele não será preso no mesmo dia do flagrante.
Sendo assim, a defesa terá mais tempo para trabalhar as formas de manter o seu cliente em liberdade. Além disso, é mais fácil manter alguém solto do que soltar quem está preso.
E pior, o relaxamento se torna uma “farsa jurídica”. Pois, perde sua razão de existir, sendo ato fictício. Não faz sentido nenhum relaxar a prisão de alguém e depois decretar a preventiva, pois, é um relaxamento para “inglês ver”.
Em resumo, o entendimento é de que, se o juiz da custódia relaxa a prisão, a audiência é encerrada, devendo a pessoa ser posta em liberdade.
Nesse caso, o juiz natural é quem deve decidir os casos de prisão preventiva e medida cautelar, não cabendo tal decisão ao juiz da custódia.