Imagine que você está em uma audiência, atuando em defesa de seu cliente, quando o juiz pede a retirada dele da sala de audiências. Seja para ouvir a vítima ou uma testemunha.

Seria essa prática possível? Como proceder nesses casos?

Essa é uma situação que pode acontecer em uma audiência criminal. Você como advogado não pode ser pego de surpresa, muito menos sem saber o que fazer.

Nesse artigo eu falo sobre essa possibilidade e o que deve ser feito nessas situações. 

O que a lei diz sobre a retirada do réu da sala de audiência?

O acusado deve estar presente durante toda audiência, para acompanhar todos os atos. Como as declarações da vítima e o depoimento das testemunhas. Em regra esse acompanhamento ocorre de forma presencial. 

Contudo, o artigo 217, do Código de Processo Penal diz que se a presença do réu causar algum temor, humilhação, ou sério constrangimento à testemunha ou vítima e isso possa prejudicar a verdade do depoimento, o réu poderá ser retirado da audiência e a inquirição será por videoconferência. 

Então, se a vítima ou testemunha disser que não quer falar na frente do réu, por se sentir constrangida, ameaçada ou humilhada, o juiz deve verificar se de fato essa situação existe, para somente assim retirar o réu da sala de audiências.

No entanto, não basta apenas o estagiário perguntar se a vítima ou testemunha quer ou não falar na frente do réu. É preciso perguntar se ela sente temor, constrangimento e por aí vai. Caso contrário, a pessoa sempre vai querer ser ouvida sem o acusado na sala.

O ideal seria a própria vítima ou testemunha manifestarem essa vontade, ou o juiz perceber esse desconforto na hora da audiência e questionar isso para ela. 

O que fazer quando a vítima não quer falar no mesmo ambiente que o réu?

Você vai manifestar o seu interesse para que as declarações ou depoimentos sejam feitos por videoconferência. 

Nesse caso, o réu vai ficar na sala de audiência e irá assistir o depoimento ou declaração, mas a testemunha ou vítima falando por videoconferência.

Pode acontecer também da vítima ou testemunha permanecer na sala de audiência e o réu assistir o depoimento por videoconferência em outra sala. Vai depender da estrutura do fórum e o que você achar melhor para o seu cliente. Você deve analisar o que será mais estratégico para o caso do seu cliente.  

É possível o réu não assistir às declarações ou depoimentos?

O réu só não assistirá às declarações ou depoimentos, apenas se for impossível a transmissão por videoconferência. Pois, existem alguns fóruns que não possuem estrutura para isso.

Contudo, depois da pandemia deve ser raro um fórum que não possui estrutura para videoconferência. Caso aconteça, peça ao juiz para que você faça uma vídeo chamada ou ligação com o réu do seu celular para o dele. Assim, ele não ficará sem ouvir o depoimento ou declaração. 

Mas, essa hipótese nem sempre será possível, pois em caso de réu preso ele não terá um celular. Portanto, seria uma possibilidade que daria certo apenas para um réu solto e que esteja com um celular no momento.

Se o réu for retirado da sala de audiência e uma testemunha ou vítima declarar um fato novo você deve pedir uma pausa para consultar o seu cliente sobre tal fato. Caso o juiz não permita, você deve constar em ata e alegar futuramente cerceamento de defesa.

O objetivo de retirar o réu da sala de audiência não é para que ele não saiba o que foi dito. E sim, para poupar a vítima ou testemunha do constrangimento, ou temor causado pela presença dele.

O contraditório garante ao acusado o direito de participar da audiência criminal, pois é a forma mais efetiva de exercer esse direito. Pense no seguinte, ele viu os fatos, ele estava lá e é a liberdade dele que está sendo decidida.

Mesmo que o advogado repasse o que foi dito para o réu, não será tão específico quanto se ele mesmo estivesse ouvindo. Como dito, é a liberdade dele que está em jogo. Imagine discutir sua liberdade por um “telefone sem fio” do que está sendo dito sobre você.

O fato do réu conhecer os fatos e ouvir o que está sendo dito é o que possibilita que ele questione o que está sendo dito e até responda nesse sentido em seu interrogatório. Sabemos que nem tudo estará no processo e que o cliente, nem sempre te conta os fatos de forma detalhada. 

Imagine a vítima dizendo que a atacaram em um determinado lugar e que o acusado saiu de um matagal. Contudo, o acusado sabe e tem como provar que no local dos fatos não existe e nunca existiu um matagal.

Sendo assim, impedir a participação do acusado na audiência criminal é cerceamento de defesa. Pois, está sendo retirado dele a possibilidade de, no seu interrogatório, confrontar, com suas respostas, o que foi dito por outra parte.

Há também afronta à ampla defesa, pois, o acusado deve ter o direito de usar todas as armas de defesa permitidas em lei. Esse princípio, inclusive, torna a participação do acusado na audiência como um ato obrigatório (quando o acusado quer participar, é claro).

O princípio do contraditório e da ampla defesa estão previstos no artigo 5º, inciso LV, da Constituição Federal. Logo, o desrespeito a qualquer um deles é também uma afronta à própria Constituição.

Isso serve também aos depoimentos de testemunhas. Sendo assim, o seu cliente deve sempre ouvir, de qualquer modo, pois quem conhece os fatos é ele.

Qual o problema na retirada do réu da sala de audiência?

Há uma banalização em retirar o réu da sala de audiência em qualquer situação, até em crimes menos graves ou sem uma situação em que a testemunha ou vítima de fato terão suas declarações prejudicadas por conta da presença do acusado. 

A retirada do réu deve ser a última alternativa, mas acabou se tornando a regra em muitos casos, não havendo qualquer filtro de real necessidade da medida.

O problema nisso é que, sempre que isso é feito, o direito do réu e suas formas de se defender acabam sendo de alguma forma restringidas, o que por si só já prejudica sua defesa.

Outro problema é a falta de fundamentação ou até mesmo fundamentações genéricas do magistrado para a retirada do réu da sala de audiência.

Inclusive, até a impossibilidade da realização da videoconferência deve ser fundamentada, mas até isso pode ser negligenciado. 

Logo, há com isso um grande descaso com a liberdade do acusado e com seus direitos de defesa, ferindo, inclusive, a paridade de armas entre acusação e defesa.

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