Saber constatar uma nulidade durante a audiência é requisito obrigatório para o advogado criminalista.
Pois, é seu papel como advogado garantir que os juízes e promotores respeitem o procedimento legal e por consequência os direitos do seu cliente. Sendo o desrespeito muito comum na prática.
Por outro lado, se você permitir que um ato nulo aconteça isso pode influenciar diretamente na defesa e prejudicar seu cliente em eventual condenação. Afinal, nenhuma nulidade vem para o bem.
São muitas causas de nulidades que podem ocorrer durante uma audiência. Contudo, nesse artigo eu separei 3 hipóteses que são mais comuns de acontecerem na prática, sendo elas:
1) Juiz inquisidor: Faz perguntas como se fosse acusação
Uma das nulidades mais fáceis de serem vistas na prática é quando o juiz deixa de ser apenas o julgador da ação e assume o medieval papel inquisitório.
É o juiz que não se restringe a fazer apenas perguntas complementares. Pelo contrário, atua como verdadeiro acusador, furtando a função do promotor ou buscando produzir provas contra o acusado.
Não cabe ao juiz, na audiência criminal, iniciar a inquirição de testemunha, cabendo-lhe, apenas, complementar a inquirição sobre os pontos não esclarecidos.
Assim dispõe o caput e também o parágrafo único do artigo 212, do Código de Processo Penal. Ele prevê a possibilidade de o próprio juiz veicular perguntas, mas apenas se verificar pontos não esclarecidos, ante o questionamento das partes.
O juiz também só complementa perguntas já feitas, nunca fazendo novas, como já decidido no HC n.º 111815.
Inclusive, com a reforma trazida pelo pacote anticrime, o Código de Processo Penal passou a prever expressamente no artigo 3-A, que em nosso ordenamento vigora o sistema acusatório.
Juiz que faz perguntas é juiz de sistema inquisitório, não sendo tal prática compatível com o sistema acusatório.
Inclusive, eu já presenciei em uma audiência um promotor que se retirou da sala e o juiz fez o seu papel, ou seja, fez as perguntas, atuando como acusação.
2) Juntada de novos documentos antes ou durante a audiência
Outra hipótese de nulidade é a juntada de documentos pelo promotor antes ou durante a audiência.
Você deve saber que é possível a juntada de documentos, visto que, segundo o artigo 231 do CPP, os documentos poderão ser juntados em qualquer fase do processo, salvo se houver previsão legal em sentido contrário.
No entanto, a nulidade ocorre em duas situações, sendo elas:
- Quando não intimam a defesa para tomar ciência do documento juntado;
- Quando a defesa não tem acesso ao inteiro teor do documento, pois o mero relatório não é o suficiente.
Entretanto, fique atento, pois, a jurisprudência (STJ, Quinta Turma, HC 23.732/PI, Rel. Min. Gilson, julgado em 03/12/2002) é no sentido de que a falta de intimação do defensor a respeito de documento juntado é uma nulidade relativa, sanada quando a defesa toma conhecimento de tal documento depois.
Portanto, além de se atentar à ocorrência dessa nulidade, você também tem que se preocupar em comprovar o prejuízo causado por ela.
Exemplo prático do segundo caso de nulidade
Quanto à segunda hipótese, um exemplo comum são em casos de busca e apreensão, que também ocorre nulidade caso a defesa não tenha acesso à íntegra dos documentos ou objetos juntados.
Inclusive, no RHC n.º 114683, o STJ reconheceu a nulidade de um processo até o ato do recebimento da denúncia, para que a defesa tivesse acesso a todos os documentos e objetos apreendidos em decorrência de mandado de busca e apreensão.
Nessa mesma decisão o ministro Schietti, do STJ, disse que a jurisprudência do STJ, não aceita a declaração de nulidade de ato processual se a irregularidade não foi suscitada em prazo oportuno e não houver prova de efetivo prejuízo para a parte, conforme artigo 563 do CPP.
Logo, há mais uma situação em que o advogado deve ficar atento, qual seja, alegar a nulidade em prazo oportuno. Caso contrário, a nulidade não será reconhecida e é quase certo que a defesa ficará no prejuízo.
Um outro exemplo são os atos ou processos em sigilo, como prevê o artigo 23, parágrafo único, da Lei 12.850/13, que versa sobre organizações criminosas. Nesses casos, o advogado também deve ter acesso ao inteiro teor dos autos, mesmo que declarados sigilosos.
Fundamentação Jurídica
A não permissão de que o advogado tenha acesso a tais dados caracteriza-se como cerceamento de defesa. Ademais, também deve ser respeitado o contraditório, pois a outra parte deve ter acesso a qualquer documento juntado.
Não há a possibilidade de ir para uma audiência sem ter conhecimento de uma das provas. Fique atento e não se contente apenas com os relatórios, mas com o inteiro teor dos documentos.
3) Juiz que não permite entrevista prévia com o réu
Outra situação que pode acontecer é o juiz não permitir a entrevista prévia do réu com o advogado.
Antes de se iniciar a audiência o réu tem direito a entrevista prévia com seu advogado. Isso nada mais é do que uma conversa, no qual o advogado orienta o seu cliente sobre a linha defensiva a ser seguida.
O direito à entrevista prévia é tratado de forma expressa, no artigo 185, §5º, do Código de Processo Penal. Podendo ser realizada minutos antes da audiência começar e antes do interrogatório do réu.
Infelizmente, é comum, na prática, juízes ficarem irritados quando o advogado pede para fazer essa entrevista prévia, sobretudo se eles estiverem com pressa para terminar a audiência.
Não se surpreenda se você advogado passar por esse dissabor com algum juiz. Inclusive, pode ser o caso até do juiz não permitir que você converse com seu cliente, principalmente antes do interrogatório.
O que você precisa saber é que o juiz não está te fazendo nenhum favor. Você só está fazendo algo que o Processo Penal prevê, além disso, o acusado só está usando um direito dele.
Inclusive, o juiz que impede essa entrevista comete abuso de autoridade, como prevê o parágrafo único do artigo 20 da Lei 13.869/2019.
Contudo, apenas é crime se a entrevista for impedida antes da audiência. Não há crime se o impedimento for antes do interrogatório, sendo conduta atípica. Pois, a lei é expressa ao dizer que é crime impedir a entrevista antes da audiência. No caso do impedimento antes do interrogatório, será apenas causa de nulidade.
Resumindo, se o juiz não permitir a entrevista antes da audiência, tal ato terá reflexos penais (crime de abuso de autoridade) e processuais penais (nulidade). Caso o juiz impeça antes do interrogatório terá apenas reflexos processuais (nulidade).
O que fazer caso ocorra alguma dessas nulidades em audiência?
Caso uma dessas situações ocorra, não deixe de alegar de imediato. Portanto, quando for o caso, sinalize que aquilo é uma nulidade e que não deve ocorrer.
Se o aviso não for o suficiente, você deve pedir para constar tal prática em ata, para depois tomar as providências cabíveis, seja em fase de apelação ou em correição parcial.
Por fim, nunca se esqueça de tratar todas as nulidades como relativas, ou seja, sempre demonstre o prejuízo.
Conclusão
Quando falamos em audiência criminal, todo detalhe importa. O advogado criminalista está contra todos, ele é o último recurso do acusado.
Qualquer deslize pode botar tudo a perder e não reconhecer uma nulidade e deixar que ela aconteça é um erro que pode custar a liberdade do seu cliente.
Por isso, continue sempre estudando, para conhecer todas as nulidades e formas de combatê-las.
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Até a próxima!